Após um período de crescimento acelerado, a América Latina fechará o ano
dividida. Em média, as economias da região devem crescer 3,2% em 2012 segundo o
FMI, menos que os 4,5% de 2011, mas uma expansão ainda "sólida" na
visão do fundo. Tal média, porém, oculta situações bastante díspares, como uma
recessão no Paraguai (de -1,5%) e um crescimento "chinês" no Panamá
(de 8,5%).
"Ela esconde o
fato de que esse foi um ano em que há duas histórias para serem contadas sobre
a América Latina: uma, dos países que cresceram acima ou em linha com seu
potencial, outra dos que cresceram abaixo", acredita Luis Oganes,
especialista em América Latina do banco JP Morgan.
No primeiro grupo
estão as economias que continuaram crescendo rapidamente (ainda que tenham
desacelerado um pouco) como Peru, Chile, Colômbia, México e Bolívia - além do
Panamá.
No outro,
principalmente os países do Mercosul - além do Paraguai, o Brasil, a Argentina
e o Uruguai - em que a freada foi mais drástica. "O Brasil, acabou puxando
a média regional para baixo por representar 45% do PIB nominal da região”, diz
Oganes.
Para o FMI, foi um
ano de "perspectivas e desafios diferentes" em cada um dos países da
região.
Mas o que explica
essa diferença?
A BBC Brasil
entrevistou analistas e economistas para entender o que impulsionou as
economias-estrela da região em 2012 e o que levou o Cone Sul – em especial o
Brasil – a ficar para trás dos vizinhos.
Para Ignacio Munyo,
do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social, no Uruguai, parte da
explicação está ligada ao "pânico" que tomou os mercados globais no
segundo semestre de 2011, com o agravamento da crise europeia.
Em um estudo para a
Brookings Institution, Munyo e alguns colegas defendem que três aspectos
definiram a capacidade dos países ganharem ou perderem em termos econômicos no
cenário criado pela crise.
Primeiro,
exportadores de commodities acabaram se saindo melhor por causa da valorização
desses produtos. Segundo, aqueles que dependiam menos de "economias
avançadas" (EUA e Europa) - seja em termos comerciais, seja por não serem
destino de remessas de imigrantes - também teriam prosperado mais.
Finalmente, países
mais inseridos nos fluxos financeiros globais teriam recebido mais
investimentos quando oportunidades de negócios nas economias tradicionais
minguaram.
"Com o pânico
que tomou conta dos mercados a partir de meados de 2011, porém, os investidores
fugiram até dos emergentes, procurando ativos seguros como títulos dos EUA e
ouro. Isso mudou um pouco as regras do jogo e fez com que políticas específicas
adotadas em cada país para estimular os investimentos passassem a fazer uma
grande diferença", defende.
A pressão teria
sido particularmente intensa em países que estavam crescendo muito, como o
Brasil e a Argentina. "Na Argentina, uma crise de confiança doméstica
ganhou força, exacerbada pelas medidas heterodoxas adotadas pelo governo",
diz Munyo, referindo-se ao polêmico sistema de controle de câmbio aprovado por
Buenos Aires.
No Brasil, esse
"pânico" dos mercados teria criado dificuldades adicionais em um
momento em que o país via esgotar sua capacidade instalada e precisava lidar
com problemas ligados a gargalos de infraestrutura.
Oganes acrescenta
que justo nesse momento o Brasil também estava implementando medidas recessivas
para conter a inflação. O resultado foi uma freada brusca, que teria tido
impacto em países do Mercosul.
A alta das
commodities continuaria explicando parcialmente muitos dos "sucessos"
da região, segundo os analistas.
O Peru, por
exemplo, deve crescer 6% este ano (FMI), beneficiando-se dos preços
historicamente altos dos minérios, embora sua expansão também seja atribuída a
fatores como o fortalecimento de seu mercado interno e seus alto níveis de
investimentos privados.
A recuperação do
petróleo venezuelano teria ajudado a Venezuela a crescer 5,7% este ano ao
aliviar os cofres do governo local. "Foi um crescimento impulsionado pelos
gastos públicos em um ano de eleição", diz Neil Shearing, da consultoria
Capital Economics.
É claro que há
muita divergência nas análises sobre as causas dos sucessos e fracassos
latino-americanos.
Sem ignorar os
fatores externos, o economista chileno Andrés Solimano, presidente do Centro
Internacional para Globalização e Desenvolvimento, por exemplo, enfatiza a
importância das políticas adotadas em cada país para estimular investimentos,
ampliar mercados consumidores e dar competitividade à indústria local (criação
de infraestrutura, melhorias no sistema tributário, etc).
Em um estudo
divulgado neste mês, o Banco Mundial aponta um crescimento de 50% na classe
média da região e atribui o avanço - que resulta em mercados internos mais
sólidos - também a políticas de redução da pobreza.
Para Solimano,
porém, mesmo os países que continuam a crescer aceleradamente estão longe de
ter feito todas as reformas que lhes garantiriam estabilidade no longo prazo:
"Os índices de expansão do PIB podem ser diferentes, mas ainda há desafios
comuns. Faltam mais investimentos em educação, medidas para reduzir a desigualdade
de renda e para ampliar a sofisticação das estruturas produtivas da
região."
Abaixo, entenda
caso a caso, por que, na visão dos analistas, alguns países continuam crescendo
rapidamente, enquanto outros pisaram no freio:
Panamá
Em 2012 o Panamá
deve crescer 8,5% (FMI), depois de ter crescido 10,6% em 2011 e 7,6% em 2010.
Além disso, desde 2006, a pobreza no país caiu de 38% para 26%.
Segundo Oganes,
esse crescimento é impulsionado por um boom no setor de construção e o efeito
multiplicativo dos investimentos massivos feitos na expansão do movimentado
canal que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico.
O país assumiu a
responsabilidade pelo canal (que antes era dos EUA) em 2000 e passou a
reinvestir os recursos obtidos com sua administração internamente. Só a expansão
do canal está custando US$ 5,2 bilhões.
Além disso, o
governo está investindo em outras obras de infraestrutura - como linhas de
metrô ou serviços de comunicação e energia.
Para completar, por
ser um paraíso fiscal e ter uma economia dolarizada o Panamá tem atraído um
grande fluxo de recursos, consolidando-se como um importante centro financeiro
da região.
Peru
A previsão do FMI é
que o Peru cresça 6% este ano, liderando o ranking das maiores expansões
sul-americanas. Desde 2005, o país só não cresceu mais de 6% em 2009.
Entre os fatores
que têm favorecido a economia peruana estão os preços historicamente altos dos
minérios, que representam 63% do total exportado pelo país.
Também ajuda o fato
que, dentro dessa categoria, a pauta de produção peruana é variada, incluindo
ouro, cobre, zinco e prata. Frequentemente, uma alta do ouro compensa uma baixa
do cobre, como explica Oganes.
O país tem níveis
de investimentos altos se comparados com os vizinhos. Lá a taxa é de 25% do
PIB, contra 18% do Brasil, por exemplo. E no Peru, 80% dos investimentos são
privados.
Vários acordos de
livre comércio assinados nos últimos anos também ajudariam a atrair
investimentos de fora.
Para completar, um
crescimento vigoroso da classe média peruana teria impulsionado seu mercado
interno. Há planos para dobrar o numero de shopping centers no país em dois
anos, por exemplo.
O México teria
crescido 3,8% neste ano segundo o FMI. Seu crescimento seria mais baixo que o
da maior parte dos países andinos, mas como o país tem uma economia maior e
mais diversificada, acabou substituindo o Brasil como a menina dos olhos dos
investidores estrangeiros.
A taxa de câmbio é
uma das mais atrativas para os investidores e o mercado interno tem crescido de
forma vigorosa, segundo analistas.
Além disso, o país
não só está se beneficiando da recuperação da economia americana para manter o
nível de suas exportações, mas também tem conseguido ampliar sua fatia de
mercado nos EUA.
Para Oganes, em
parte isso ocorre em função dos aumentos dos salários na China, que têm
reduzido o diferencial entre a mão de obra chinesa e a mexicana.
O resultado é que
não só as exportações mexicanas se tornaram mais atrativas, mas o México passou
a atrair investimentos para o setor manufaturado que iriam para a China.
Paraguai
Com uma retração de
1,5% no PIB, o Paraguai teria o pior desempenho em 2012 entre os
latino-americanos segundo o FMI.
Para se ter uma
ideia do tombo que esse índice representará se confirmado, basta lembrar que em
2010 o Paraguai foi o país que mais cresceu na região, tendo uma expansão de
mais de 15%.
A retração ocorre
em um momento em que o Paraguai está politicamente isolado do Mercosul e da
Unasul, mas é atribuída a duas outras causas por analistas.
Primeiro, a seca do
fim de 2011 e início de 2012, que fez a produção e exportação de soja do país
cair pela metade.
Segundo, a
suspensão das exportações de carne paraguaias para vários países, após a
detecção de febre aftosa no gado local.
Tentando reverter a
recessão, o Banco Central paraguaio já anunciou uma expansão dos gastos em
infraestrutura. Ele também prevê uma “supersafra” de soja para 2013.
O FMI espera que o
Paraguai se expanda 11% neste ano.
Brasil
Já em 2011 o Brasil
deu sinais de que poderia deixar de ser a estrela dos investidores ao passar de
um crescimento de 7,5% para 2,5%. Em 2012, voltaria a decepcionar, segundo o
FMI, com estimados 1,5%.
Munyo ressalta que
a indústria brasileira parece ter chegado ao limite de sua capacidade instalada
e há um importante déficit de infraestrutura a ser suprido.
Os baixos índices
de investimento na indústria são apontados como uma das causas da
desaceleração.
"O problema
foi que o consumo interno continuou a crescer mas a produção foi freada",
opina Neil Shearing.
"Até
recentemente, a política de juros altos parece ter sido um grande freio para
investimentos e a economia nos últimos anos", diz Solimano.
Para 2014, tanto o
FMI quanto o JP Morgan esperam uma recuperação do país, com um crescimento de
4% (que faria o Brasil ultrapassar o México).
Os pacotes de
estímulos, as obras da Copa e Olimpíadas e a queda dos juros contribuíriam para
a retomada.
Argentina
A Argentina havia
crescido 8,9% no ano passado, mas este ano ficaria com uma média de 2,6%
segundo o FMI.
De acordo com
Shearing, entre os motivos da desaceleração estariam as estritas medidas de
controle de capitais e câmbio adotadas pelo governo da presidente Cristina
Kirchner.
Agora, toda
aquisição de divisas feita no país precisa da aprovação do Fisco – o que
dificulta as importações e até as viagens internacionais dos argentinos.
"Ao contrário
do que ocorre com o Brasil, na Argentina há sérias dúvidas sobre se haverá uma
retomada do crescimento pela crise de confiança interna que se produziu como
consequência das medidas adotadas pelo governo”, opina Munyo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário