Enquanto aguarda na fila de carros à entrada
do único shopping de Luanda, capital de Angola, um motorista angolano abre as
janelas de seu jipe. Os alto-falantes ecoam "Eu quero tchu, eu quero
tchá", música da dupla sertaneja brasileira João Lucas e Marcelo.
Em instantes, após estacionar o veículo, ele entrará num edifício
erguido por uma empreiteira brasileira (Odebrecht), cruzará com trabalhadores
brasileiros, fará compras em lojas brasileiras (Ellus, Nobel) e, possivelmente,
comerá numa rede de fast-food brasileira (Bob's).
O alto teor brasileiro do programa não é coincidência: nos últimos anos,
Angola se tornou um dos maiores palcos externos do Brasil. Lá, a influência
brasileira se alastrou em grande escala pela cultura, pela economia e até pela
política local.
Em Talatona, bairro ao sul de Luanda que abriga o Belas Shopping, a
presença brasileira alcança seu ápice. Luxuosos condomínios fechados abrigam
boa parte dos engenheiros, médicos e consultores do Brasil em Angola. No
bairro, eles vivem rodeados por supermercados, academias e restaurantes
administrados por compatriotas.
Porém, a maioria dos brasileiros em Angola, estimados em até 25 mil,
mora em alojamentos ou casas coletivas: são pedreiros, operadores de máquinas,
motoristas e outros técnicos contratados por empreiteiras brasileiras para
executar obras no país.
Embora não haja relatos de hostilidade contra brasileiros em Angola, o
grupo começa a gerar desconforto em alguns círculos. "Nas empresas, os
angolanos dizem que os operários brasileiros são privilegiados, que têm
salários maiores. Isso já provoca algumas fricções", diz o jornalista
Reginaldo Silva, autor do blog Morro da Maianga.
Ele diz, no entanto, que a relação entre operários brasileiros, que
"gostam de brincar, têm comportamento parecido com o nosso" e
angolanos costuma ser boa.
"Já os (brasileiros) mais privilegiados, da classe média, vivem
isolados em seus condomínios e têm muito pouco contato conosco."
Se, para o jornalista, a convivência entre os brasileiros mais ricos e
os angolanos ainda é fria, os governos dos dois países vivem período de grande
proximidade. Entusiasta das relações Brasil-África, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva esteve em Angola três vezes nos últimos cinco anos. A última
visita ocorreu em 2011, ano em que a presidente Dilma Rousseff também viajou ao
país.
Atribui-se a uma indicação de Lula a atuação do marqueteiro brasileiro
João Santana na eleição angolana deste ano. Ele chefiou a campanha do
presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 33 anos. Vencedor com mais de
70% dos votos, ele estenderá seu mandato até 2017.
Brasil e Angola mantêm boas relações desde que o país africano se tornou
independente de Portugal, em 1975. O Estado brasileiro foi o primeiro a
reconhecer Angola como nação soberana, gesto que até hoje lhe rende
agradecimentos de dirigentes angolanos.
As relações bilaterais, no entanto, só se intensificaram na última
década, quando o governo brasileiro ampliou os financiamentos a obras de
empreiteiras brasileiras no país africano.
Desde 2006, quando o BNDES (Banco Nacional para o Desenvolvimento
Econômico e Social) passou a canalizar a maior parte desses empréstimos, foram
criadas linhas de crédito de US$ 5,2 bilhões (R$ 10,5 bilhões) para essas
companhias.
O montante é mais do que o dobro do custo inicialmente estimado para a
transposição do rio São Francisco (R$ 4,8 bilhões), uma das maiores obras em
curso no Brasil. Em 2011, Angola só foi superada pela Argentina entre os países
estrangeiros que mais receberam empréstimos do BNDES.
Os financiamentos têm o petróleo angolano como garantia – o país ocupa o
segundo posto entre os maiores produtores de petróleo da África Subsaariana, com
extração ligeriamente inferior à do Brasil.
Após o fim da guerra civil angolana (1975-2002), as vendas do produto
ampararam um amplo programa de reconstrução conduzido pelo governo em parceria
com empreiteiras brasileiras, portuguesas e chinesas.
As construtoras abriram o caminho para consultorias, comerciantes e
companhias de variados setores: de acordo com o banco sul-africano Standard,
atraídas pelo elevado ritmo de crescimento de Angola, ao menos 200 empresas
brasileiras abriram filiais no país. Em 2007, o então embaixador do Brasil em
Angola, Afonso Pena, disse que elas eram responsáveis por 10% do PIB angolano.
No auge do programa de reconstrução, entre 2004 e 2008, Angola cresceu
em média 14% ao ano. A crise econômica mundial, porém, derrubou a cotação das
commodities e suspendeu a evolução do PIB.
Espera-se, contudo, que nos próximos anos a recuperação nos preços do
petróleo alavanque um novo ciclo de crescimento. Segundo a Economist
Intelligence Unit, até 2016, a economia de Angola deverá ultrapassar a da
África do Sul, hoje a maior do continente.
Na cultura, como na economia, Angola mantém laços sólidos com o Brasil.
Três canais de TV brasileiros (Globo, Record e, mais recentemente, Band)
transmitem sua programação no país.
A grande audiência das emissoras faz com que crimes com grande
repercussão no Brasil sejam acompanhados pela imprensa angolana. Brigas de
casais brasileiros famosos, por sua vez, acabam nas páginas da Caras Angola,
filial da revista de celebridades.
E como revela a cena à entrada do shopping, músicas que estouram no
Brasil em pouco tempo ganham as rádios angolanas.
"A cultura brasileira domina completamente Angola", diz
Reginaldo Silva.
Segundo o jornalista, a influência do Brasil nesse campo é tão grande
que já altera o modo de falar dos angolanos, que passaram a incorporar gírias e
expressões brasileiras.
"Pela via cultural, há uma colonização absoluta de Angola pelo
Brasil".
Fonte: BBC
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